Central de conspiração virual |
Não me recordo exatamente quantos anos eu tinha quando da primeira vez que acessei um bate-papo, mas acho que tinha pouco mais ou pouco menos que 10 anos. Estava com meu tio Cacá, empolgado, ele, com o novo e revolucionário advento que estava a surgir. Sentamos, nós dois, na frente do computador e "entrei" na sala de bate papo.
Daí eu tentava puxar assunto com as pessoas:
-oi? -oi! -de onde você fala? -de belo horizonte. e você? -de vitória, espírito santo. -legal! -quantos anos você tem? -18 e voce? -tenho 10
...
e a conversa cessava aí, imediatamente.
E eu fiquei meio chateado com essa minha dificuldade em continuar a conversa, porque ela sempre terminava quando a idade entrava em pauta. E eu não entendia por quê. Daí que meu tio (deve ter sentido peninha de mim) foi me explicar que possivelmente eles não deveriam estar muito interessados em conversar com um garotinho de 10 anos.
Mas para além dessa frustração, uma outra coisa que me chamou a atenção naquele episódio e que até hoje me recordo: não acreditava muto que tinham pessoas 'de verdade' do outro lado. Imaginava uma central de computadores, como um SAC (embora na época não sabia o que significava SAC), onde funcionários acessavam no intuito de enganar os que ali estavam. O engraçado é que eu não imaginava alguns funcionários e algumas pessoas 'de verdade', como eu: pra mim eram todos funcionários... naquele universo virtual, naquela sala de bate-papo, eu me sentia o único enganado. Os outros que ali estavam eram todos atores! Ou seja: a corporação dissimulada no fundo era um complexo de conspiração a la 'Show de Truman', onde o único que não atua é o próprio eu. Imaginar todos aqueles que ali estavam como funcionários, ao invés de apenas alguns daqules que ali estavam, deve ter sido uma manobra da minha mente pra me preservar de uma crise de identidade que, possivelmente, tenha a ver com a frustração de eu não ter sido aceito naquele espaço por ter apenas 10 anos. Mas não apenas isso: acredito verdadeiramente que também tenha a ver com a dificuldade que tive de assimilar aquilo!
Sabe aqueles clichês que aparecem quando se tenta falar sobre a internet, como: "a internet une as pessoas" ou "daqui do brasil, eu posso falar ao mesmo tempo com uma pessoa lá no Japão!". Pois é. Fruto do intento dos comentaristas de plantão de se opinar sobre algo novo, com grande potencial, esses comentários hoje nos parecem tão verdadeiros como óbvios, soando, portanto, aos nossos ouvidos como clichês, dando a sensação de que se trata de uma verdade besta, óbvia demais pra ser tão repetidamente dita: incomodando, até.
Mas... a "obviedade" atual destes comentários se deve ao simples fato de que a internet não é mais novidade, mesmo tendo se passado tão pouco tempo. Naquela época (parece que estou falando de décadas pra trás!) estes comentários deveriam ser lidos e ouvidos com regozijo por aqueles que experimentavam esta "nova" ferramenta, ou com curiosidade por aqueles que ainda não haviam tido a oportunidade de navegar. E um exemplo disso é a minha própria experiência relatada. Fui incapaz de compreender aquilo que acontecia na minha frente, na tela do computador, porque aquele 'ambiente' era um universo do qual eu não detinha informação ou experiência alguma. E por se incapaz de compreender aquilo, eu era incapaz de manipular também. Manipular ao meu favor, para obter coisas boas, para ser aceito, para ser amado...
De que adiantava ser aceito por um funcionário de uma central de computadores, cujo o único objetivo era me ludibriar? Talvez essa seja a síntese da minha experiência naquele dia. Quer dizer: essa foi a síntese que eu criei para me preservar de um mundo estranho, indecifrável e incompreensível que não me aceitava porque eu tinha 10 anos.
E cá estou eu, na minha segunda postagem, em um blog... movido por não-sei-o-que que me impulsiona a escrever um texto destinado a talvez ninguém! Isso sem falar que eu não escrevi neste blog por uns três dias (o que eu imagino que deva ser um pecado pra um blogueiro que se preze), exatamente porque eu não fazia idéia de sobre o que escrever. Aliás, não fazia idéia do que escrever quando sentei na frente deste computador, numa lan house em Belém, na qual vim especialmente pra escrever no blog!
O interessante é que nós, mesmo adultos, nos movemos por sentimentos infantis! O 'infantil', na verdade, nada mais é que o 'humano' em sua essência mais pura. E o universo virtual radicaliza essa humanidade-infantil, que todos nós possuímos, problematizando-a ou não. Afinal a reflexividade, por mais que seja bem fundamentada, não é capaz de nos desprover dessa necessidade primária do/de ser(-)humano: ser amado.